Iron Studios: o colecionável brasileiro que conquistou Hollywood
Por Renan Pizii
De São Paulo aos parques da Universal, a Iron Studios transformou o colecionismo em arte e construiu uma operação global que une confidencialidade de estúdios, engenharia artesanal e uma economia de desejo que conecta cultura pop e luxo.
4 de nov. de 2025
O começo de uma história

O que começou em São Paulo como um estúdio criativo especializado em miniaturas de personagens icônicos se tornou uma das empresas mais admiradas no universo dos colecionáveis. Hoje, a Iron Studios opera com uma estrutura que atravessa continentes: criação e direção artística no Brasil, manufatura em Hong Kong e um escritório estratégico em Los Angeles dedicado à negociação de licenças com gigantes como Marvel, DC, Disney, Universal Studios e Lucasfilm.
Cada peça é um microcosmo de narrativa, memória e engenharia. O fundador define a operação como “pilotar um avião em múltiplos fusos, com culturas, prazos e formas de vender diferentes e, ainda assim, garantir que tudo soe como uma só voz”, comenta Renan, fundador da Iron.
O desafio não é apenas logístico. Há contratos rígidos com estúdios, metas trimestrais e, principalmente, sigilo absoluto sobre produções inéditas. Dentro da empresa, apenas um núcleo restrito tem acesso a roteiros, figurinos e referências visuais. “É um círculo de confiança muito fechado. Os próprios estúdios monitoram quem tem acesso às informações. É inegociável.”
O processo

Criar uma estátua da Iron Studios é um processo que pode durar de oito a quinze meses. Tudo começa com a escolha da cena, um recorte exato do universo narrativo que se deseja eternizar. A seguir vêm modelagem, protótipos, testes e a maratona de aprovações.
Se a licença envolve um filme, cada ator retratado precisa autorizar. Uma única peça de Jurassic Park, por exemplo, exigiu aval de quatro atores, além da Universal e da Amblin Entertainment, produtora de Steven Spielberg. Em outras produções, o contato é mais direto: Tom Holland (Homem-Aranha) e Ian McKellen (Gandalf) aprovaram suas miniaturas por e-mail. Já a atriz Angelina Jolie levou oito meses para responder sobre sua figura de Eternals.
Nos quadrinhos, o processo é mais ágil, a menos que envolva um desenhista de peso: casos como Frank Miller e Alex Ross, que detêm direitos sobre o traço e participam das revisões. No catálogo da Disney, por outro lado, cada personagem clássico, especialmente Mickey ou Walt, demanda uma análise minuciosa de postura, cor e expressão.
“Se não houvesse etapas de aprovação, em sete meses uma peça estaria pronta. Mas esse rigor é o que legitima o resultado final. O colecionador reconhece”, explica o fundador.
Os desafios

No ateliê, a miniatura é tratada como uma obra de engenharia. A equipe combina software, impressão 3D e prototipagem manual para transformar arquivos digitais em escultura tridimensional. O Peter Pan Deluxe é um exemplo extremo: o Capitão Gancho aparece com uma perna dobrada, quase caindo do barco, enquanto Peter flutua preso apenas à mão do vilão. “Foi necessário testar materiais e centros de gravidade inúmeras vezes para que o voo parecesse real, mas a estrutura permanecesse estável.”
Outros projetos desafiam pela escala. O Diorama da Sentinela contra o X-Men reúne dezenas de personagens e exigiu uma solução logística incomum: o envio dividido em três caixas.
A impressão 3D acelerou etapas e trouxe precisão milimétrica, mas também facilitou falsificações. “A peça pirata pode até parecer idêntica em foto, mas a diferença é gritante. A resina é frágil, o acabamento manual é inexistente. A original tem textura, profundidade e pintura que só se consegue com o processo completo”, explica.
Entre fidelidade e liberdade

A fidelidade visual é cláusula contratual, mas há licenças que permitem experimentação estética. Quando o artista Rodrigo Bastos propôs um Obi-Wan cuja capa formava, dependendo do ângulo, as silhuetas de Darth Vader e Darth Maul, o conceito foi inicialmente rejeitado. “Precisamos explicar a lógica, o simbolismo, a homenagem. Depois de semanas de defesa, veio a aprovação.”
Essa relação entre rigor e criação define a identidade da Iron Studios: o equilíbrio entre documentar e reinterpretar. Em filmes inéditos, a régua é técnica. Em franquias de legado, a margem conceitual se abre e é nessa brecha que a marca imprime sua assinatura.
O colecionador

O público da Iron Studios é variado em idade e poder aquisitivo, mas igual em um ponto: todos sabem exatamente o que estão comprando. A faixa etária vai dos 20 aos 65 anos, majoritariamente masculina (65%). Há quem compre uma peça por mês; há quem selecione poucas e as trate como esculturas centrais no ambiente. Alguns revendem, transformando o hobby em negócio paralelo.
Há também o colecionador que enxerga valor estético e decorativo. “Eu tenho poucas peças na minha casa, posicionadas como arte. Às vezes uma está no meio da sala, ao lado de um porta-retrato. Não é quantidade, é narrativa.”
É nesse ponto que o produto cruza a fronteira entre entretenimento e design. Um Senna na entrada de um escritório comunica coragem e disciplina. Um Darth Vader ao lado de um quadro de família adiciona contraste. Um De Volta para o Futuro vira símbolo de humor e nostalgia.
Escassez como linguagem de valor

No mercado de colecionáveis, a escassez é mais que tática: é filosofia. Cada série é limitada e numerada. Quando uma peça se esgota, o reflexo é imediato no mercado secundário: valorização média de 50% no primeiro mês, podendo dobrar se a revenda também encerrar.
O caso do Senna 1/4 tornou-se lendário. Lançado a R$7.900, esgotou em minutos. Dias depois, já aparecia por R$25.000 em plataformas de revenda. “É uma economia emocional e especulativa ao mesmo tempo. O valor é tão simbólico quanto financeiro”, resume o fundador.
“Tem gente que compra como investimento, mas há um aspecto emocional mais forte. O Senna, por exemplo, representa resiliência, coragem e paixão. É um ícone que transmite valores”, diz o fundador.
Em escritórios e casas de colecionadores, as miniaturas ocupam o lugar que antes era de esculturas ou quadros. A diferença está no código visual: o herói ou vilão carrega uma biografia compartilhada, um elo entre infância e maturidade.
Nostalgia, hype e permanência

A força de venda de uma peça nasce do afeto. Quando há um lançamento cinematográfico de grande visibilidade — como o próximo Wicked —, a demanda dispara. Mas o verdadeiro motor do negócio é o catálogo nostálgico: He-Man, Cavaleiros do Zodíaco, Jurassic Park, De Volta para o Futuro, Infinity Saga.
A nostalgia é o combustível mais estável. É ela que faz uma geração de 40 anos reencontrar, em resina e tinta, o mesmo fascínio que sentiu aos dez.
Essa lógica também vale para novas audiências. A Iron Studios lança agora uma edição comemorativa de Miraculous: Ladybug, com 300 unidades assinadas pelos criadores, marcando dez anos da série. O público-alvo são adultos entre 23 e 28 anos — os mesmos que acompanharam a animação na adolescência. “É uma peça recente, mas carrega um sentimento. E no nosso mercado, sentimento é tudo.”
Próximos passos: criar o próprio universo

Residiuum é a primeira propriedade intelectual original da marca. O projeto nasceu em 2020 como HQ e já tem um jogo mobile gratuito nas lojas da Apple e Android. Um título AA está em desenvolvimento, com lançamento previsto para o fim de 2027.
A ambição é clara: construir uma mitologia própria, nos moldes de He-Man ou Tartarugas Ninja, unindo quadrinhos, jogos, história e colecionáveis. “Queremos resgatar o jeito antigo de criar universos: arte em primeiro lugar, depois o produto”, diz o fundador.
O que sai do ateliê não é mais um brinquedo, nem apenas um item de fã. É um objeto de desejo com valor artístico e emocional. Um recorte de ficção transformado em matéria. E é justamente aí, nesse ponto de convergência entre afeto e precisão, que a Iron Studios ergueu seu império, com uma verdade que o próprio fundador resume bem:
“Nosso produto não é constante. Ele nasce, conquista e some. E é justamente por isso que continua vivo.”