O que realmente acontece no Burning Man

Por Rod Brito

A cada edição, cerca de 80 mil pessoas vivem em um espaço de criatividade, colaboração e autoexpressão 

29 de ago. de 2025

Na imensidão árida de Black Rock City, em Nevada, ergue-se a cada ano um experimento social único. Para quem já foi cinco vezes, como Rodrigo Britto, o Burning Man não é festival — é um planeta paralelo. “É como se você tivesse viajado para outro mundo. Não tem comparação com nada do que acontece fora dali”, resume.

O que se encontra lá vai muito além das festas: orquestra sinfônica, shows de jazz e blues, bandas de reggae, pistas de skate, de patinação, escalada, esculturas monumentais financiadas por artistas independentes. Há também espaços de bem-estar: yoga, cerimônias de cacau, music healing, massagens gratuitas, quiropraxia. “Tem literalmente de tudo — do cachorro-quente ao açaí”, ressalta. 

Logística de guerra

O Burning Man exige preparo. O calor diurno ultrapassa limites, e a poeira fina invade roupas, cabelos e pulmões. “É se preparar para uma guerra. Se você chega sem estrutura, está perdido”, conta. Sua rotina é meticulosa: aluguel de trailer já abastecido em Reno, estoque de água, comida, protetor solar, roupas técnicas para o dia e de neve para a noite. Bicicleta elétrica é item indispensável — com cadeado e baú para guardar cooler, tequila e gelo.

“Perder a bicicleta é perder o Burning Man. O espaço é gigantesco, tudo está em movimento. Só quem já foi entende o que é depender dela.”

Entre o êxtase e o perrengue

A cada edição, cerca de 80 mil pessoas vivem o que ele descreve como “o pior e o melhor do planeta no mesmo dia”. O fuso vira de cabeça para baixo: dorme-se ao meio-dia, acorda-se ao nascer do sol para acompanhar DJs no horizonte. O sábado é marcado pela queima do homem; o domingo, pelo templo. “O mapa é um relógio. Se você entende horas, consegue se localizar.”

A experiência, porém, não se resume à música eletrônica — menos de 10% dos burners participam dessas festas. Há vilas familiares, parquinhos infantis, idosos, e um princípio maior: ninguém compra ou vende nada. Tudo é troca, colaboração.

Se antes era comum encontrar vilas luxuosas, como estruturas que replicavam restaurantes Nobu com chefs particulares e staff completo, hoje esses excessos são cada vez mais restringidos. “O Burning Man voltou à essência: cada um cuida de si. É possível gastar apenas o valor do ingresso, US$ 595, mais passagem, e viver tudo. Ou gastar milhões, como um chinês que investiu US$ 18 milhões em seu próprio acampamento.”

Primeiras vezes e veteranos

O veterano nota um padrão curioso: muitos estreantes registram testemunhos emocionados nas redes sociais — “a melhor experiência da vida, transformadora” —, mas raramente voltam no ano seguinte. “É caro, cansativo e não é para qualquer um. Quanto mais você vai, mais entende que não há fantasia ou performance que segure. A experiência se torna parte de você.”

Lições do deserto

No fim, o Burning Man é sobre entrega. Não há glamour fácil: poeira, calor extremo, banhos racionados, noites congelantes. Mas há também um senso de comunidade e criação coletiva que raros lugares no mundo oferecem. “Das 17h até o amanhecer, não existe lugar melhor na Terra. O resto é perrengue, mas é justamente o que faz valer.”